quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Cultura do trote

Desde que começaram as aulas nas faculdades uma notícia aparece com frequência. É triste, mas trote é o assunto informado. Na semana passada jovens que estavam participando da famosa brincadeira resolveram estender a recepção para um morador de rua.

O homem disse que se aproximou dos jovens, porque percebeu que eles estavam com bebida e sua intenção era saber se poderiam compartilhar com ele. Estava certo, o universitários deram a ele bebida, porém junto foi distribuído pontapés e fizeram um corte em seu cabelo pior que dos calouros.

Os rapazes não deixaram o morador de rua careca como os demais jovens, rasparam somente algumas partes do cabelo dele. Essa cena e a pancadaria contra o homem foi flagrada por trabalhadores de uma obra que presenciaram a "diversão" dos aluninhos a luz do dia. E não terminou por aí, além de agredirem o homem, roubaram dele uma bíblia e dinheiro que estava guardado nela.

Nessa semana o trote extrapolado ficou por conta de uma faculdade de veterinária da cidade de Leme. Um calouro foi internado em coma alcoólico. Um dos jovens que sofreu o trote contou que foram obrigados a beberem pinga e entrar em uma lona com fezes e restos de animais em decomposição. Também foram agredidos.

O jovem de 21 anos mostrou as marcas ocasionadas em seu corpo. A reportagem terminou com o rapaz dizendo que não voltará a essa faculdade. " Se fizeram isso com gente, o que não irão fazer com bicho", destacou o rapaz.

Os trotes são comuns nas principais faculdades e para evitá-los muitos calouros faltam na primeira semana de aula para não serem obrigados a participar deles. Quando ingressei na faculdade fiz questão de ir no primeiro dia, mesmo sabendo que talvez encontrasse pela frente uma brincadeira de mau gosto.

Foram seis anos esperando para entrar em uma faculdade, eu não podia segurar a ansiedade e deixar que outros adiassem a data tão esperada por mim. Com muito esforço estava eu sentada em um banco acadêmico. A minha felicidade era tanta que até o guache que usaram para pintar meu rosto e braços era bem vindo.

Confesso que quando soube que tinha trote na porta de entrada fiquei com medo. Fui preparada com uma blusa preta para caso me pintassem. Fizeram um corredor humano e um garoto se aproximou de mim com um pote de guache preto. Ele não pediu para passar o guache, foi logo despejando, mas foi só isso, ainda bem.

Cheia de guache fui com minhas colegas no banheiro me limpar, não queria chegar na van pingando tinta. Nesse momento ouvi que no curso de engenharia o trote não estava sendo somente com guache, estavam usando cola colorida. Me senti feliz com a cara pintada, por sentir que o ritual marcava uma nova fase da minha vida e também aliviada por saber que o pessoal do meu curso não era violento ao passar cola colorida no cabelo dos calouros.

Todos os anos é comum a imprensa divulgar casos de trotes violentos. Muitos deles resultaram em mortes. Certo está o rapaz agredido no curso de veterinária de não querer voltar mais para a faculdade. Se as escolas estão acostumadas com essa recepção dos veteranos para com os calouros, por que não prevenir e incentivar trotes mais saudáveis?

Seria uma ótima oportunidade de incentivar a cidadania na porta de entrada das faculdades. Afinal de contas, delas sairão médicos, advogados, veterinários, engenheiros e tantos outros. E que tipo de pessoas sairão com o diploma na mão? O que farão a maioria desses profissionais que têm como responsabilidade a vida em suas mãos?

Por isso tenho medo, principalmente de adoecer, não sei quem cuidará de mim. E agradeço pelas vezes que precisei de ter encontrado profissionais que fizeram valer os anos que passaram em uma universidade, pois seus cuidados, seu olhar e sua atenção comigo foram de um ser humano que se preocupa com outro ser humano.

Algumas faculdades resolveram "arregaçar as mangas" para impedir trotes violentos e fazer com que os alunos tenham algo bom para fazer. Existem os "trotes solidários". Essa iniciativa tem a finalidade dos veteranos organizarem shows, teatros , recepções para os novatos. Além de arrecadarem alimentos, roupas e medicamentos para serem doados à instituições de caridade.

Outras escolas organizam grupos de alunos veteranos para serem monitores dos novos alunos. Eles têm a função de mostrar as instalações das faculdades e o método de ensino. Também possuem a responsabilidade de dialogarem com os novatos sobre suas perspectivas e anseios sobre a vida de universitário.

Através dessa atitude das faculdades, os alunos têm como foco atividades saudáveis e o que é muito importante ressaltar é a vigilância das instituições para que qualquer trote de mau gosto seja impedido. Algumas pessoas podem achar que trata-se somente de brincadeiras, mas essa prática é criminosa e está prevista no código penal.

Cortar o cabelo total ou parcial dos calouros contra sua vontade caracteriza crime de lesão corporal(art.129 do código penal) . Humilhar o calouro o ridicularizando frente aos colegas ou nas ruas pintando seu corpo, fazendo "cavalgada'' em cima dele, ou fazê-lo engatinhar, também é crime. Esses são alguns exemplos mais comuns e constam no código penal( Artigo 140).

Autoridades policiais também têm sua participação ao evitar que a recepção de alunos com senso de agressividade explícita seja realizada nas ruas. Um olhar mais profundo para grupos de jovens pode evitar barbaridades.

Não poderia deixar de mencionar a participação dos pais para evitar trotes violentos. Saber o que o filho faz no primeiro dia de aula é uma atitude que pode evitar muitos problemas para ele e para os demais jovens.



Fonte: Site Terra

3 comentários:

  1. Estes são os jovens e homens do amanhã? O meu país está piorando e ninguém faz nada. Mudem as leis, faça disso um crime inafiançável, igual a tráfico de passárinhos e de chamar o negro de crioulo por exemplo. Sem mais o que comentar.
    Obrigado pelas suas palavras lá no klic. Beijo

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  2. É Kátia, realmente muita coisa precisa mudar em nossa sociedade! As pessoas precisam aprender a amar e respeitar umas as outras. Beijão!

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  3. Olá Kátia!

    É realmente um absurdo esses trotes violentos, sem nenhuma receptividade. Até acho interessante alguma brincadeira no sentido de integrar os novos alunos aos que já fazem parte da academia. Que seja algo leve, divertido, para marcar de maneira louvável o início de uma nova etapa.

    Obrigada por seguir o Degustação Literária! Breve postarei também no Digressões Conectivas, e o primeiro post será o ensino tb.

    Bjs!

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